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Vídeos, áudios, mensagens e depoimentos conectam trama golpista ao 8/1, dizem PGR e Polícia Federal
2025-03-04
IDOPRESS
Conexões entre a trama golpista e o 8 de janeiro — Foto: Editoria de Arte
Mensagens,áudios,vídeos e depoimentos que integram a investigação da trama golpista são os elementos apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal para a conexão entre a tentativa de impedir a posse de Lula e os atos de 8 de janeiro. Ao acusar o ex-presidente Jair Bol-sonaro e outras 33 pessoas pela tentativa de golpe de Estado,o procurador-geral da República,Paulo Gonet,também concluiu que o ataque às sedes dos três Poderes foi o ato derradeiro de uma série de tentativas para a “ruptura institucional” e contou com o “fomento”,“facilitação” e “programação” de membros do alto escalão do governo e militares da ativa.
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Ao todo,O GLOBO analisou mais de 2.500 páginas das denúncias da PGR,da representação final da Polícia Federal,do relatório da CPI do 8 de Janeiro e de três sindicâncias internas das Forças Armadas.
Ainda em novembro de 2022,logo após o segundo turno,militares da ativa se mobilizaram para discutir “preparativos” para uma ação que pudesse invalidar o resultado da eleição. Parte dessa movimentação foi descrita pelo tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida em áudios obtidos pela PF.
— Algumas coisas já estão sendo feitas,né... Preparativos,não de operação nem nada,mas de estratégia comunicacional — disse Almeida a um interlocutor.
Áudio mostra tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida indicando 'preparativos'
Um dos denunciados pela PGR,ele comandou o 1º Batalhão de Operações Psicológicas,em Goiânia,até fevereiro de 2024,quando foi alvo de uma operação da PF e foi exonerado. A defesa não quis se pronunciar. Em nota,o Exército disse que não comenta “processos em andamento”.
“Tem que ir ao Congresso”
Operações psicológicas,segundo o conceito do Exército,consistem em técnicas com o objetivo de manipular e induzir ações para atingir um objetivo específico,o que atualmente inclui o uso de redes sociais. Segundo a PF,Almeida agiu para “direcionar as manifestações” e criar um “ambiente propício a uma ruptura institucional”.
Em outros áudios captados pela PF,revelados pela TV Globo,o tenente-coronel conta que estava “participando” e “plantando” informações em grupos de WhatsApp de “civis” para levá-los a manifestações no Congresso.
— Não adianta protestar na frente do QG do Exército,tem que ir para o Congresso. E as Forças Armadas vão agir por iniciativa de algum Poder — afirmou a um interlocutor.
Áudio mostra tenente-coronel defendendo ida de golpistas ao Congresso
Nas mensagens,o militar ressalta ainda a importância de “ocupar” o Congresso,“atropelar a grade e invadir”,pois,segundo ele,a Polícia Militar do Distrito Federal não teria como “segurar a massa humana”.
As ideias do ex-comandante do Batalhão de Operações Psicológicas encontraram eco no acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército,em Brasília. Um vídeo gravado em dezembro de 2022 mostra manifestantes discutindo sobre a “orientação” de supostos generais de se deslocar do QG à Praça dos Três Poderes para conseguir ações concretas.
Vídeo gravado no 8 de janeiro mostra tentativa de insuflar militares a dar golpe
Em seu acordo de delação premiada,o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que havia integrantes das Forças Especiais,os kids pretos,misturados entre os participantes dos acampamentos. Os integrantes desse grupo são especializados em técnicas de infiltração,insurgência e contrarrevolução.
No fim de 2022,os participantes dos acampamentos começaram dar sinais de cansaço diante do que viam como uma “demora” das Forças Armadas em tomar uma atitude. A partir daí,segundo a PGR,o governo Bolsonaro passou a se articular para manter acesa a “esperança” de que algo poderia acontecer — uma espécie de “evento disparador",como escreveu o general da reserva Mário Fernandes,então número dois da Secretaria-Geral da Presidência,em um documento encontrado pela PF. Para os investigadores,“tentou-se esse evento disparador no 8 de janeiro”.
A defesa de Fernandes diz que as mensagens são antigas e que a resposta será dada nos autos “tão logo tenha acesso integral ao celular e tudo o que foi apreendido pela Polícia Federal”.
Segundo a delação de Cid,partiu ainda de Bolsonaro a ordem para que o Exército não desmontasse os acampamentos e para que fosse elaborada uma carta assinada pelos comandantes das Forças que defendia o direito de livre manifestação e “condenava” as “restrições a direitos”. De acordo com a denúncia da PGR,Bolsonaro determinou que a nota fosse publicada em 11 de novembro de 2022,consciente de que o documento “encorajaria os manifestantes” e seria visto como um sinal de “aquiescência das Forças Armadas aos acampamentos”.
“Percebe-se que no dia 11 de novembro de 2022,já havia a intenção de que as manifestações fossem direcionadas fisicamente contra o STF e o Congresso Nacional,fato que efetivamente ocorreu no dia 08 de janeiro de 2023. As ações desenvolvidas pelo grupo investigado eram coordenadas”,concluiu a Polícia Federal.
Trecho do relatório da PF sobre trama golpista e 8/1 — Foto: Editoria de Arte
A coordenação do governo foi percebida pela PF em uma mensagem enviada pelo tenente-coronel da ativa Rafael Martins Oliveira a Mauro Cid. Ele pergunta ao então ajudante de ordens de Bolsonaro qual é a “orientação correta” para a manifestação. "A pedida é ir para o CN (Congresso Nacional) e STF? As FFAA (Forças Armadas) vão garantir a permanência lá? Perguntas recebidas”.
Conversa de WhatsApp consta em relatório da PF — Foto: Reprodução
Cid,então,responde: “Vão”,ao que o outro militar responde: “Show”. Um dos kids pretos que costumavam aparecer no acampamento golpista,o tenente-coronel conhecido como Joe consta na lista de denunciados da PGR e está preso preventivamente. Junto com outro tenente-coronel e um capitão da ativa,ambos kids pretos,Oliveira foi acusado de participar de “atos de monitoramento” na casa do ministro do Supremo,em Brasília. Procurada,a defesa não se pronunciou.
Segundo a PGR e a PF,o plano de suposta “neutralização” de autoridade públicas foi elaborado pelo general Mário Fernandes,o que a defesa nega. O planejamento não foi levado adiante,mas,mesmo após a posse de Lula,em 1° de janeiro de 2023,o entorno de Bolsonaro ainda nutria esperanças de que uma ruptura institucional poderia acontecer.
Em 4 de janeiro,o tenente coronel da ativa Sergio Ricardo Cavaliere pergunta a Cid se “ainda tem algo para acontecer”. O ex-ajudante de ordens responde,mas apaga as duas mensagens. “Coisa boa ou coisa horrível?”,continua Cavaliere,ao que Cid retruca: “Depende para quem. Para o Brasil é boa”. Mais à frente,Cid acrescenta que no golpe militar de 1964 “não precisou de ninguém assinar nada”. Quatro dias depois,aconteceriam os atos de 8 de janeiro. Procurada,a defesa de Cavaliere não se manifestou.
Espera nos EUA
Enquanto o movimento golpista se radicalizava,Bolsonaro já estava nos Estados Unidos. Lá,ele continuou recebendo mensagens sugestivas de colegas da caserna. Em 2 de janeiro de 2023,um o major-brigadeiro da reserva diz a Bolsonaro: “Bom dia. Feliz ano novo. Desmobilizamos a tropa ou permanecemos em alerta?”. Não há registro de resposta do presidente,apesar de ter sido ele quem procurou o militar em 30 de dezembro de 2022 para lhe informar o seu “telefone particular”. Conforme a PF,Bolsonaro havia saído do país para “evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas de 8 de janeiro”.
Conversa de WhatsApp consta em relatório da PF — Foto: Reprodução
A defesa do ex-presidente diz que recebeu a denúncia da PGR com “estarrecimento e indignação” e ressaltou que ele “jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”.