O que mais se cantou na Sapucaí? Conheça as curiosidades das letras de 40 carnavais do Rio

2025-03-03 HaiPress

Nuvem de palavras Carnaval — Foto: Arte O GLOBO

RESUMO

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GERADO EM: 02/03/2025 - 04:16

"Estudo revela 'vem' e 'amor' como palavras mais cantadas na Sapucaí"

Um levantamento do GLOBO revela que nos 40 anos de sambas-enredo na Sapucaí,"vem" e "amor" são as palavras mais cantadas,refletindo o clamor e a paixão pelo carnaval. Composições evoluíram,destacando sentimentos como alegria,liberdade e esperança,e incorporando temas afro-brasileiros nos últimos anos. O estudo mostra ainda uma transformação nas temáticas,influenciada por patrocínios e mudanças sociais.

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Um levantamento inédito feito pelo GLOBO com os sambas que ecoaram desde a inauguração do Sambódromo em 1984 revela a radiografia das composições. Ao esmiuçar as letras que transbordaram a passarela e se enraizaram na cultura popular brasileira,a conclusão pode surpreender. A palavra mais cantada é “vem” — um clamor feito pelos sambistas para o povo se apropriar da festa popular. Logo em seguida é o “amor” que contagia o carnaval,sendo o substantivo mais cantado ao longo desses 40 desfiles.

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— O amor é uma palavra que vai aparecer sempre mais. Talvez seja o principal tema da poesia — define Paulo César Feital,um dos compositores do carnaval e do samba deste ano da Viradouro.

Foram considerados todas as letras do Grupo Especial desde a inauguração da Sapucaí. Para extrair com mais precisão a essência das composições,foram excluídas das análises algumas classes gramaticais como artigos,pronomes e preposições.

Nas últimas quatro décadas também estão entre as favoritas dos compositores as palavras “vida”,“povo”,“mundo” e “samba”. Mas se engana quem acredita que eles se limitaram a esses termos. Os músicos recorreram a 10 mil palavras,sendo que a metade foi usada apenas uma vez. Entre as “solitárias” da Sapucaí está a “farofa” cantada em um dos versos do icônico samba Ratos e Urubus da Beija-Flor de Nilópolis em 1989.

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Veja as curiosidades:

Versos. Juntos,os sambistas compuseram 18.836 versos — quatro mil a mais do que o italiano Dante Alighieri escreveu em “A Divina Comédia”.Sentimentos. Depois do amor,as emoções mais cantadas são alegria,liberdade e esperança.Solitárias. Foram usadas 10 mil palavras diferentes,e a metade foi ecoada apenas uma vez na Sapucaí. Entre elas estão a “dengue” pela Mocidade em 1988,“farofa” na Beija-Flor em 1989,“pedágio” pela São Clemente em 2004 e “iogurte” do famoso enredo patrocinado da Porto da Pedra em 2012.Gabaritou. O samba do Império Serrano em 2018 possui as cinco palavras mais usadas na Sapucaí. Naquele ano a escola voltava ao Grupo Especial depois de 9 anos no Acesso. O enredo contava a história da Muralha da China e cantou: “A China vem festejar (...) Deixa o povo cantar (...) Ganha vida,uma aquarela imperial (...) Roda a baiana,é festa um ritual de amor (...) O vento sopra ao mundo uma colheita”.Orgulho. As escolas da elite do carnaval 2025 cantaram seu próprio nome 512 vezes. A campeã é a Mangueira,com 76 presenças nas letras — mais que “folia” e “fantasia”. Em seguida surgem Salgueiro e Portela: “Você se sente proprietário do samba e consegue passar verdade para quem está te assistindo e julgando. É o momento para extravasar nosso sentimento”,explica Xande de Pilares.Arco íris. Na paleta de cores do samba o azul é o campeão,seguido de perto pelo verde. Rosa e vermelho completam as cores favoritas dos compositores.Eu vim de lá. Muitas escolas são oriundas das favelas,mas o termo só apareceu 18 vezes em 40 carnavais — 11 desde 2020.Esquecido. Orixá muito presentes em sambas fora do carnaval,Ogum foi cantado por apenas 16 vezes no Sambódromo e Oxalá foi o mais exaltado. A palavra mais ligada a religiões de matriz africana é axé.Verde e amarelo. Brasil aparece 225 vezes nos sambas e é uma das principais palavras de 2000. Naquele ano,todas as escolas tiveram enredos ligados aos 500 anos da chegada dos portuguesas no país. A Unidos da Tijuca,por exemplo cantou sobre a viagem de Pedro Álvares Cabral e abre o samba cantando três vezes Brasil.De Lisboa. Já Portugal fez menos sucesso. São 19 citações,oito delas em sambas da Unidos da Tijuca.Anatomia do samba. Muitas vezes acompanhando o amor,o “coração” é o órgão mais cantado com sobra: 225 vezes. Somadas,"mão” e “mãos” aparecem mais do que “pé” e “pés”.Os quatro elementos. Campeã dos enredos CEPs,a terra é uma das palavras mais usadas no carnaval. O fogo e a água aparecem em seguida,deixando ar para trás.A corte. Os reis dominam a nobreza da Sapucaí. As rainhas aparecem em segundo disputando lugar com a imperatriz,que se confunde nas letras com o nome da escola de Ramos. Já os duques,quase não são lembrados.

Transformação

A nuvem de palavras desenvolvida a partir do compilado também revela como as letras foram mudando ao passar dos anos,acompanhando a transformação da sociedade e das escolas. Vencedor de 19 sambas-enredo somente na Vila Isabel,o compositor e historiador André Diniz explica que o samba vive ciclos,como em outros movimentos artística. Ele lembra que nos anos 1980 há um predomínio de sambas em tom maior com refrões pequenos. E hoje o tom menor e refrões grandes estão populares.

— Há os vanguardistas que constroem uma estética. Ela é abraçada e se espalha. Os artistas repetem até cair na mesmice. Então o estilo começa a ser "cafona". Aí surge uma nova estética que será criticada no começo,até dominar. O vanguarda é um "amaciador de ouvido". Faz algo diferente,todos criticam até por não entenderem muito bem. Mas depois de um tempo aquele modelo acaba sendo bem recebido — explica.

Nos primeiros anos de Marquês de Sapucaí,o país ainda passava pelo processo de redemocratização. Com isso,destaca o historiador Luiz Antonio Simas,muitas composições ainda exaltavam os sentimentos. Não à toa,nos sambas cantados entre 1984 e 1989 as palavras “alegria” e “saudade” estão entre as mais usadas: “No tabuleiro da baiana tem Amor e fantasia / No tabuleiro da baiana também tem Quindins de alegria”,cantou a Estácio de Sá em 1986,véspera do Tititi no Saputi.

— São anos de muito crescimento do carnaval de rua. E isso também influencia com sambas de enredo que buscam dialogar com uma certa leveza típica de blocos — completa Simas,um dos compositores do samba deste ano da Unidos da Tijuca.

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Ele ainda explica que na década de 1980 e 1990 foi popular os “refrões genéricos”. Eles são chamados assim por poderem se encaixar em outros sambas. Um exemplo,diz Simas,é o famoso “Explode Coração”,do enredo Peguei um Ita no Norte do Salgueiro de 1992.

André Diniz,explica,que esse e outros sambas que fizeram sucesso no início dos anos 1990,como Paulicéia Desvairada da Estácio de Sá,influenciou no modo de compor nos anos seguintes.

— Fizeram que os compositores buscassem a arquibancada com sambas mais simples e populares — diz Diniz.

Patrocínios e CEPs

A partir dos anos 1990 novas palavra começam a ser populares nos sambas. É um momento que as escolas começaram a explorar os enredos patrocinados,muitos deles por prefeituras e governos de outros estados — popularmente chamados de CEPs. E é com a necessidade de conectar o samba a exaltação desses lugares que ganham força o “mar”,“sol”,“terra” o “chão”. São palavras muitas vezes usadas para demarcação geográfica do enredo. Estas três últimas,por exemplo,aparecem no samba de 1995 da Imperatriz.

O desfile de 30 anos atrás da escola de Ramos foi o primeiro a ter um patrocínio. Articulado pelo governo do Ceará,empresas do estado pagaram R$ 200 mil à época,R$ 2,3 milhões em valores corrigidos. Mas a carnavalesca Rosa Magalhães não se limitou a exaltar as belezas do estado decidindo por um enredo que exaltava a força do jegue no sertão cearense e foi campeão naquele ano: “Trabalha,ara a terra sob o sol”,era um dos versos daquele samba.

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Com o sucesso da Imperatriz,os enredos patrocinados se firmaram nos anos seguintes. Na primeira década do século XXI,a nuvem de palavras mostra singelas mudanças. Uma é o crescimento do “Brasil”,muito porque em 2000 todas as escolas levaram à Sapucaí desfiles sobre os 500 anos da chegada dos portugueses no país. Foram 21 citações pelas 14 agremiações que desfilaram naquele ano.

Quem também ganha força no início dos anos 2000 é a “paz”. São 60 aparições,o dobro dos anos 1990 e justamente na década instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) “Década Internacional pela Cultura de Paz”. Esse simbolismo surge das mais distintas formas nos sambas. Logo em 2001 a Mocidade de Padre Miguel abraçou a causa no refrão: “Explode amor / É carnaval / O mundo se abraça pela paz universal”. Naquele ano,a Grande Rio foi outra a levar o tema ao contar a história do Profeta Gentileza.

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E se o mundo passava por grandes tensões e guerras internacionais naquele início de década,o Rio também enfrentava um aumento significativo da violência. Não por acaso,o Império Serrano,em um samba assinado por Arlindo Cruz,clamou por dias melhores na comunidade que o abriga: “Serrinha pede paz,” diz um dos versos vencedor do Estandarte de Ouro de 2006.

Nova transformação

Os enredos patrocinados continuaram presentes no carnaval na década seguinte. Mas nos anos 2010,sobretudo na segunda metade,essa injeção de verbas públicas começou a reduzir. Com menos patrocínios,as escolas tiveram uma maior liberdade artística na escolha dos temas. É nesse contexto que se fortalece movimento de resgate das raízes africanas nas escolas. Isso refletiu nos sambas e palavras como “tambor”,“ancestrais” e “axé” cresceram nesses anos.

A corrente se consolidou de vez nestes últimos anos. Palavra campeã dos sambas da era Sapucaí,o “vem” míngua enquanto o “salve” e “laroyê”,como são saudados os orixás,também são ecoadas. Já o Exu,entidade de religiões de matrizes africanas taxada preconceituosamente de maligna,viveu um hiato entre o samba da Unidos da Ponte em 1984,retorna em 2020 e é muito celebrado desde então.

— Há uma preocupação com a linguagem,de acompanhar o que foi proposto no enredo,mas facilitando ao público. A mensagem não é transmitida somente pelo carro de som. Também vem da comunidade que desfila. Eu não posso ter medo de cultivar a minha fé e demonstro isso também,quando eu vou construir uma obra — explica Xande de Pilares,que coleciona em seu currículo icônicos sambas-enredo pelo Salgueiro exaltando religiões de matrizes africanas.

Paulo César Feital concorda com Xande e acrescenta que os enredos afros atuais transbordam as religiosidades e são uma defesa patriótica,como o Malunguinho — símbolo de resistência e líder do Quilombo do Catucá de Pernambuco,tema da Viradouro em 2025:

— O Malunguinho é um defensor,já que nos parlamentos não temos homens com ombridade suficiente para defender seu povo e só pensam na própria ambição. Então o povo cria no imaginário defensores extremamente heroicos — explica.

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