Problema para Lula, inflação impulsionou vitória de candidatos opositores mundo afora, incluindo a do petista em 2022

2025-02-24 IDOPRESS

Aprovação de Lula caiu após a alta dos alimentos: em outras eleições,o próprio petista se beneficiou de cenário em que inflação assombrava adversários — Foto: Cristiano Mariz

RESUMO

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GERADO EM: 23/02/2025 - 22:45

Inflação impulsiona vitórias opositoras e desafia Lula em 2022

A inflação impulsionou vitórias de opositores,incluindo Lula em 2022. A tendência global anti-incumbente se deve a preços altos pós-pandemia. O aumento do custo de vida impacta votos. A polarização política é constante,com cenários como o de 'referendo'. Lula enfrenta desafios devido aos preços dos alimentos,com risco de 'bidenização'. A popularidade de governantes é afetada pela inflação. Exemplos globais e do Brasil mostram vitórias oposicionistas relacionadas à inflação. A polarização e o impacto das redes sociais também influenciam nas eleições.

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Motivo de dor de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),o aumento do custo de vida é peça-chave da tendência que analistas têm chamado de “onda anti-incumbente” na política mundial,em que prevalecem vitórias da oposição — desde 2019,foram 21 em 25 eleições mapeadas. Com pandemia e guerras,trata-se de um tempo inflacionário,e a redução do poder de compra é um problema que se reflete no voto. O próprio petista se beneficiou disso em 2022,quando o governo Jair Bolsonaro (PL) chegou a registrar IPCA de dois dígitos no acumulado de 12 meses,algo atípico desde a criação do real,na década de 1990.

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Cada um com seus patamares e particularidades,Estados Unidos,Reino Unido,Alemanha,Argentina e Colômbia são exemplos de grandes economias e de vizinhos do Brasil em que o bolso pesou na tomada de decisão do eleitor,que escolheu candidatos e partidos oposicionistas,à direita e à esquerda. Na Alemanha,que enfrentou a pior inflação em mais de duas décadas,a centro-esquerda à frente do país foi preterida na eleição de ontem,que teve vitória da centro-direita e crescimento da extrema-direita.

Em boa parte dos casos,a exemplo do alemão,o percentual inflacionário não estava alto no momento eleitoral,mas o passado recente de elevação ainda impactava a vida das pessoas.

— O que aprendi com a eleição americana é que o tema não era a inflação do momento,era o nível dos preços. A inflação estava controlada por lá,e no Reino Unido também. Só que a população não consegue mais comprar determinado produto porque o preço mudou de patamar — observa o economista Mauricio Moura,fundador do instituto de pesquisas Ideia e autor de “A eleição disruptiva: Por que Bolsonaro venceu”. — Um dos problemas da popularidade do Lula é que o preço dos alimentos teve alta,e o nível de preços mudou. Esse é um problema que ele vai ter na eleição,e que Bolsonaro teve em 2022.

Moura tem se debruçado sobre a tendência mundial de vitória de candidatos de oposição. Em um recorte de 25 disputas democráticas analisadas desde 2019,apenas quatro tiveram como vencedor o postulante ou partido que representava o governo vigente. O levantamento inclui países com mais de uma eleição desde então,como os Estados Unidos — onde os dois resultados foram favoráveis à oposição,primeiro com os democratas e depois com os republicanos.

Veja o histórico da inflação dos alimentos em anos decisivos para Lula — Foto: Editoria de Arte

No cenário brasileiro,o índice geral da inflação está perto da meta,abaixo dos 5% ao ano,mas o que pesa hoje contra Lula é mesmo o custo dos alimentos. É aquela inflação mais palpável,que as pessoas sentem diariamente no supermercado. O café,a carne e o ovo,por exemplo,passaram por aumentos superlativos nos últimos meses. Em 2024,o índice geral fechou em 4,83%,mas o segmento de alimentos e bebidas teve alta de 7,69%.

‘Bidenização’

Autor de “O país dos privilégios” e “Dinheiro,eleições e poder”,Bruno Carazza alerta para o risco de “bidenização” do presidente Lula,em referência ao ex-presidente americano Joe Biden. No pós-pandemia,os Estados Unidos — que geralmente não têm a inflação como fantasma — chegaram a registrar quase 10% em dado momento. A gestão Biden a reduziu,mas os dados positivos,que também incluíam outros indicadores macroeconômicos tradicionais,não foram suficientes para apaziguar o discurso da oposição trumpista na campanha.

— Isso foi muito utilizado na campanha eleitoral dos Estados Unidos. O pessoal do Trump martelava o tempo todo como estava mais caro encher o tanque,como a carne e o leite subiram,os imóveis. Pesou muito na escolha do eleitor — afirma o professor da Fundação Dom Cabral.

Lula ainda enfrenta uma situação mais desfavorável,hoje,porque os preços de alguns alimentos e do combustível continuam crescendo,diz Carazza. No horizonte,a esperança para o petista é a previsão de safra recorde,na contramão de um 2024 marcado por eventos climáticos que prejudicaram a produção.

— E apesar da política monetária cada vez mais restritiva,houve uma pressão cambial muito grande,com o dólar disparando — explica. — Lula corre um risco grande de sofrer o mesmo efeito que os democratas sofreram. E a direita está explorando. A coisa do boné (com a frase “Comida barata novamente,Bolsonaro 2026”) mostra isso. Há também muitos memes nas redes criticando o preço da carne,do café,do azeite.

Em suma,mesmo que Bolsonaro tenha registrado péssimos índices inflacionários,e que Lula tenha se beneficiado disso na campanha — durante a qual prometeu “picanha e cervejinha” de volta à mesa dos brasileiros —,o problema agora aflige o próprio petista. Fica a sensação,como pesquisas já diagnosticaram,de que o presidente não entrega o que garantiu no processo eleitoral que entregaria.

A vitória de Lula em 2022,contra um incumbente que tinha dados negativos de inflação,não foi a única dele nesses moldes. Guardadas as muitas diferenças,a disputa de 2002 também se deu em um contexto de perda de poder de compra dos brasileiros. Depois de um primeiro mandato bem-sucedido,Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fechou o segundo,naquele ano,com o maior índice de inflação desde 1995,12,5%. Quem puxou a alta foi justamente o segmento de alimentos e bebidas,com 19,5% no acumulado. Lula venceu o tucano José Serra e virou presidente pela primeira vez.

Mundo

Parecido com o caso americano,o Reino Unido havia voltado ao patamar de 2% de inflação quando os trabalhistas venceram os conservadores pela primeira vez em 14 anos,no ano passado. Até o início de 2023,contudo,o país seguia com o atípico patamar de 10%,sempre considerando o acumulado em 12 meses.

Na Itália,também parte das dez maiores economias do mundo,a direitista Giorgia Moloni chegou ao poder numa formação de governo parlamentarista em outubro de 2022,quando a inflação acumulada bateu 11,84%.

Há ainda exemplos na vizinhança do Brasil. A Argentina pode estar acostumada à hiperinflação,mas os 142% acumulados em 12 meses no momento da eleição de 2023 foram demais,e o ultraliberal Javier Milei derrotou o peronismo. Na Colômbia,o ano da vitória do esquerdista Gustavo Petro,2022,marcou a maior inflação desde 1999,com mais de 12% no total do ano.

— Mesmo onde a oposição perdeu,como na Turquia,que é um estado muito autocrático,ela foi bem,e um dos discursos foi a inflação — diz Mauricio Moura.

Entenda o impacto político da inflação dos alimentos em outros países — Foto: Editoria de Arte

A maior exceção,avalia o pesquisador,é o México,onde o ex-presidente de esquerda Manuel López Obrador desfrutava de enorme popularidade e conseguiu emplacar a sucessora,Claudia Sheinbaum. Entre todas as eleições analisadas desde 2019,foi lá que a candidatura vencedora teve a maior diferença para a perdedora,com mais de 30 pontos de vantagem. A tendência mundial é oposta: eleições mais acirradas,com países divididos.

— É um mundo mais polarizado. Todo governante ganha eleição com praticamente metade do país rejeitando. Isso produz tetos de popularidade baixos. Junto com problemas como a inflação,fica quase inviável ter popularidade alta — explica Moura. — A polarização produz um fenômeno que faz os governantes estarem sempre sob referendo.

Outro componente que costuma ser citado como explicativo da onda pró-opositores é a lógica das redes. Nelas,falar mal engaja mais do que falar bem,o que cria um terreno propício para colocar governos nas cordas. Lula sentiu isso na pele com a crise do Pix,em que uma onda de fake news espalhou rumores de que as transferências seriam taxadas.

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