O populismo do petróleo

2025-02-17 HaiPress

A foz do rio Amazonas,área de prospecção de petróleo offshore visada por empresas de Brasil,Suriname e Guiana — Foto: Landsat/Nasa

RESUMO

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GERADO EM: 14/02/2025 - 21:05

Presidente Lula pressiona por petróleo na Amazônia: especialistas contestam.

O presidente Lula pressiona pela exploração de petróleo na Amazônia,justificando como única forma de financiar a transição energética. Especialistas apontam a falácia da causa única,evidenciando que alternativas existem. Agências técnicas devem seguir evidências científicas,não interesses políticos. Estudos mostram que o acordo de Paris não demanda novas explorações de petróleo. A insistência na extração traz riscos ambientais e contribui para as mudanças climáticas.

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O presidente Lula voltou a insistir na exploração de petróleo na Foz do Amazonas,reclamando do “lenga-lenga” do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na análise técnica da proposta. Diz o presidente que o Ibama é uma agência do governo,mas que parece contra o governo. Porque afinal,o governo quer extrair mais petróleo. E o Ibama deveria fazer o que governo quer. Ou talvez o Ibama seja uma agência que serve à lei e ao Estado,e não à vontade do soberano. Dizer que o Ibama é contra o governo é o mesmo que dizer que a Anvisa era contra o governo durante a pandemia porque não recomendou o uso de cloroquina para Covid-19. Agências técnicas servem para garantir que as melhores evidências cientificas sejam respeitadas. Seu compromisso é com o país,não com o presidente.

A desculpa mais utilizada por Lula e companhia é que explorar petróleo é a única maneira de pagar pela transição energética. Segundo o governo federal,precisamos explorar petróleo,para vender combustível fóssil,para viabilizar parar de explorar petróleo e parar de vender combustível fóssil. Algo assim como vender mais cigarros para financiar cirurgias de câncer de pulmão,ou vender mais cachaça para poder investir em reabilitação do alcoolismo.

Esta desculpa é uma falácia informal conhecida nos estudos de comunicação de ciência. Falácias informais são argumentos que induzem a conclusões duvidosas. Neste caso,trata-se da falácia da causa única,como se a única maneira de garantir financiamento para a transição energética fosse o petróleo. Não existiria nada além,nenhum plano alternativo.

No curso de Ciência para Políticas Públicas que leciono na Universidade de Columbia,meus alunos de pós-graduação fazem um exercício para identificar falácias: um debate simulado sobre um tema visto como controverso,onde eles assistem a um representante da ciência e a um negacionista,geralmente representado por um professor convidado. No ano passado,o tema foi mudanças climáticas.

O trabalho dos estudantes foi observar o discurso do cientista que defendia que mudanças climáticas eram reais e causadas por atividade humana,e do professor que fazia o papel do negacionista do clima,trazendo argumentos para convencê-los de que o aquecimento global não era tão real assim,ou mesmo que fosse,não era tudo isso aí. Um dos argumentos que mais chamou atenção dos alunos foi justamente a falácia da causa única (ou solução única),que todos apontaram: precisamos explorar mais petróleo agora para fazer a transição energética depois.

Também identificaram o uso desta falácia no argumento de que não era justo os países desenvolvidos já terem ficado ricos queimando petróleo à vontade,enquanto os pobres perdem a chance bem “na vez deles”,algo de que Lula também volta e meia reclama: como se o que gerava riqueza 200 anos atrás ainda fosse a única opção.

E os argumentos científicos? Artigo publicado na revista Science em 2024 corrobora relatório da Agência Internacional de Energia que conclui que,se o acordo de Paris sobre mudanças climáticas fosse levado a sério,não haveria necessidade de novos poços de petróleo para suprir as demandas mundiais.

Ano que vem não precisarei pedir para um colega fazer o papel do negacionista: basta um vídeo do Lula. Meus alunos saberão ainda reconhecer a tentativa de reduzir a questão dos novos poços ao risco único de dano ambiental imediato,decorrente de um possível vazamento de óleo na Amazônia.

Isso já seria devastador. Mas o problema vai além. Explorar mais petróleo significa liberar mais CO2. Ou seja,contribuir para mais ondas de calor,mais enchentes,mais incêndios no Pantanal e na Amazônia,mais doenças,mais refugiados. É como vender cigarro para tratar câncer: a conta não fecha.

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