Mais recentes
-
Alta nos acidentes com moto no Rio demanda mais ação da Prefeitura
-
Sob a sombra de Trump: oposição de centro-direita vence eleições na Groenlândia, e nacionalistas avançam, segundo a mídia estatal
-
Spotify distribuiu US$ 10 bilhões em pagamentos em 2024, o maior da história da indústria musical; entenda
-
Carminha, Perpétua, Nazaré e outras vilãs de volta: atrizes vão reviver personagens em comemoração dos 60 anos da Globo
Iludidos e escravizados: internet e sonho de morar fora atraem brasileiros forçados a aplicar golpes em Mianmar
2025-02-14
IDOPRESS
Aliciados para trabalhos forçados por máfias chinesas no Mianmar atravessam rio que separa o país da Tailândia depois de libertadas — Foto: AFP/12.2.2025
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para vocêGERADO EM: 13/02/2025 - 22:10
Brasileiros escravizados em Mianmar: alerta sobre tráfico internacional de pessoas.
Brasileiros são iludidos por ofertas de emprego no exterior e acabam escravizados em Mianmar por máfia chinesa. Resgatados por ONG com ajuda de forças paramilitares,vítimas eram forçadas a participar de golpes virtuais. Casos evidenciam vulnerabilidade social e falta de assistência às vítimas. Mianmar é cenário de crimes virtuais devido à guerra civil. Ações de tráfico internacional de pessoas preocupam autoridades brasileiras.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO
Começou com uma oferta de emprego em Bangkok,na Tailândia,com pagamento em dólar. Luckas Viana dos Santos,de 31 anos,e Phelipe de Moura Ferreira,de 26,ambos paulistanos,foram contactados pelo Telegram para trabalhar num hostel e numa central telefônica,respectivamente. Com passagens e hospedagens pagas,os brasileiros embarcaram para uma armadilha que os fizeram ficar meses reféns de uma máfia chinesa em Mianmar. Libertados pela atuação de uma ONG que contou com a ajuda de uma das forças paramilitares do país em convulsão,a história de ambos mostra como funciona um esquema que torna estrangeiros escravizados no país do Sudeste Asiático.
Autoridades em alerta: Trégua entre CV e PCC inclui rotas compartilhadas e combate às regras de penitenciárias federaisPromessa de Lewandowski: Obras de muralhas nos presídios federais de SC e MS começarão no segundo semestre
O aliciamento é feito em etapas: querendo melhorar de vida e morar fora do país,as vítimas procuram trabalho em grupos criados para esse fim. Mas neles,os mafiosos se passam por representantes de empresas que oferecem altos salários para empregos como atendente,intérprete,na construção civil ou em oficinas de costura. A cooptação é feita pelo Telegram,Facebook,TikTok ou Instagram — redes onde o contato entre os criminosos e as vítimas é mantido até elas viajarem ao país combinado.
Em Mianmar,as vítimas têm seus passaportes apreendidos e perdem contato com o mundo externo. Caso queiram sair de onde são postas para trabalhar antes do término do “contrato”,devem ressarcir os custos das passagens,hospedagem e demais dívidas que os criminosos contabilizam. Para sobreviver,se prostituem ou são forçadas a participar de golpes virtuais.
— Por trás dos casos há uma vulnerabilidade social das vítimas e das famílias. Elas têm seus perfis monitorados e são atraídas pelo dinheiro. Algumas,por falta de orientação ou por estarem muito focadas na oportunidade,acabam nem buscando informações sobre a empresa fake. Vão às cegas — explica Mariana Lobo,defensora pública supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas do Ceará.
Phelipe Ferreira e Luckas Viana se tornaram vítimas de rede de tráfico humano em Mianmar após falsas propostas de emprego — Foto: Divulgação
Tortura e fuga
Luckas passou cinco meses preso,conta Cleide Viana,sua mãe. Já tinha experiência trabalhando no atendimento a brasileiros em cassinos no Sudeste Asiático. Mudou-se para a Tailândia em setembro de 2024,para trabalhar como intérprete. Ofereceram moradia,um salário equivalente a R$ 8 mil e um contrato de seis meses.
O local do emprego seria a cidade tailandesa de Mae Sot,na fronteira com Mianmar e a seis horas de carro de Bangkok. Assim como ocorreu com Phelipe — que ficou sob poder dos mafiosos por cerca de 90 dias — um motorista da suposta empresa foi buscar Luckas na madrugada. No trajeto,trocaram de carro. Os dois fizeram um trecho de barco para ultrapassar a fronteira.
Os dois foram para um complexo em KK Park,no Triângulo de Ouro,região que faz fronteira com a Tailândia,Laos e Mianmar. Sob tortura psicológica e física,eram obrigados a participar de crimes que iam de atrair pessoas para fraudes em investimentos em criptomoedas aos chamados “golpes do amor” em aplicativos de relacionamento: passarem-se por alguma celebridade,como um ator ou esportista,em conversas pela internet para convencer as vítimas a doarem dinheiro.
De acordo com Cíntia Meirelles,diretora da ONG Exodus Road Brasil,que ajuda brasileiros presos na região,a máfia chinesa obriga cada imigrante a ter um lucro de US$ 100 mil por semana com os golpes. Em março do ano passado,o secretário-geral da Interpol,Jurgen Stock,declarou que o dinheiro movimentado por esses grupos pode chegar a US$ 3 trilhões.
— Os prisioneiros são torturados com choques,obrigados a segurar um galão de 30 litros de água por horas. Muitos têm a alimentação restringida e trabalham de 18 a 20 horas por dia — relata a coordenadora da ONG.
Luckas e Phelipe fugiram às 2h30m de domingo,com 85 pessoas de diferentes países. A saída foi após um acordo da ONG com o Exército Budista Democrático Karen (DKBA),um grupo armado que integra uma máfia paralela no país. O número de libertados deveria ser maior: a lista total do DKBA tinha 373 imigrantes reféns.
Ao GLOBO,Antônio Carlos Ferreira,pai de Philipe,contou que conseguiu falar por chamada de vídeo com o filho na manhã de quinta-feira. Ele está em um abrigo na Tailândia,somente com a roupa do corpo,aguardando o processo de repatriação.
— Ele e o Luckas estão com as pernas e braços roxos de tanto apanhar. Dormindo no chão. Estamos aliviados,mas o governo brasileiro só está dando assistência agora. Ficamos desamparados — critica Antônio,que recorreu à Defensoria Pública da União alegando hipossuficiência e pedindo ajuda financeira para trazer os jovens.
Procurado,o Itamaraty informou que “está tomando as providências necessárias” em relação aos dois e “não fornece informações sobre casos individuais de assistência a cidadãos brasileiros”.
Em outro caso de tráfico humano com brasileiros,o Ministério Público Federal em São Paulo denunciou André Luis Sales Cunha,de 24 anos,por cooptar pelo menos 12 pessoas através de falsas promessas de trabalho na Tailândia. Preso desde 2022,Cunha se identificava nas redes sociais como “o velho da lancha” — termo usado para definir homens ricos. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do acusado. O caso tramita em segredo de justiça.
Mianmar está em guerra civil desde 2021. O caos abriu espaço para criminosos internacionais se instalarem com foco em crimes virtuais. Em 2023,o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou que ao menos 120 mil pessoas de todo o mundo estariam sendo mantidas reféns.
Dados do Ministério dos Direitos Humanos obtidos por meio do Disque 100,apontam que o Brasil registrou 80 denúncias de tráfico internacional de pessoas no ano passado. Em 2023,foram 126. De 1º de janeiro a 6 de fevereiro,13 registros foram feitos. Mas esse número pode ser maior,porque que muitos casos são denunciados como desaparecimento,não como tráfico.
Uma nota do Ministério das Relações Exteriores de 2023,atualizada em janeiro,alerta brasileiros a só viajarem para Mianmar em caso de urgência. “Recomenda-se que não sejam realizadas viagens às regiões de Mandalay,Magway,Chin,Sagaing,Kachin,Kayah,Rakhine,Kayin e Mon,além do norte da região de Tanintharyi”,diz o aviso. “Recomenda-se que os viajantes evitem aglomerações e manifestações políticas”.
Sem saber o paradeiro dos parentes,brasileiros recorrem a instâncias judiciais que demoram para agir junto às embaixadas. De acordo com Mariana Lobo,o país carece de programas de prevenção e de assistência às vítimas desses crimes:
— Há uma burocracia em atender a essas pessoas. São muitas instâncias que devem ser procuradas e isso retarda o processo. Muitas famílias contraem dívidas para trazer as vítimas,que entram em um ciclo vicioso.
As etapas da armadilha
A proposta: Querendo melhorar de vida e morar fora do país,as vítimas procuram trabalho em grupos na internet onde os mafiosos se passam por empresas que oferecem altos salários para empregos como atendentes,intérpretes,na construção civil ou em oficinas de costura. A cooptação é feita online,no Telegram,TikTok e Instagram. A proposta pode ser para trabalhar na Tailândia.A captura: A viagem é combinada pelas redes sociais. Ao chegarem a Mianmar,em viagens que podem ser feitas de carro a partir da Tailândia,pessoas aliciadas têm seus passaportes apreendidos e perdem contato com o mundo externo. Caso queiram sair do local onde são postas para trabalhar,hospedagem e supostas dívidas que os criminosos contabilizam.Forçados a golpes: As vítimas se prostituem ou são forçadas a aplicar golpes pela internet,oferecendo aplicações em bitcoin ou se passando por celebridades em conversas na rede para conseguir transferências de dinheiro. As jornadas são exaustivas,em lugares insalubres onde os aliciados são mantidos presos,e torturas e maus-tratos são comuns,segundo a ONG Exodus Road Brasil,que ajuda a libertar brasileiros presos no esquema.