Como o militante talibã mais procurado dos EUA se tornou uma esperança de mudanças no Afeganistão

2024-10-25 HaiPress

Militante talibã e membro do governo afegão de fato,Sirajuddin Haqqani — Foto: Jim Huylebroek/The New York Times

RESUMO

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GERADO EM: 25/10/2024 - 04:30

Talibã Sirajuddin Haqqani: do guerrilheiro ao estadista

O militante talibã Sirajuddin Haqqani,outrora temido e procurado pelos EUA,busca se reinventar como estadista após a retirada americana do Afeganistão. Enquanto tenta se apresentar como moderado e pragmático,enfrenta resistência interna e externa. Sua transformação gera perplexidade sobre suas verdadeiras intenções e o desejo de diálogo com o Ocidente,deixando em aberto o que ele busca em troca de suas aberturas.

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Ao longo das últimas duas décadas,um nome em especial inspirou medo entre os afegãos: Sirajuddin Haqqani. Para muitos,era um ser maligno,um anjo da morte com o poder de decidir quem morreria e quem viveria durante a guerra liderada pelos EUA. Ele usou seus homens-bomba do Talibã para massacrar tropas americanas e civis afegãos. Um chefão fantasma da jihad global,com laços com a al-Qaeda e outras redes terroristas,e que liderou a lista de pessoas mais procuradas por Washington,com uma recompensa de US$ 10 milhões por sua captura.

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Mas desde a caótica retirada americana em 2021,e o retorno do Talibã ao poder,Haqqani buscou se reiventar como um estadista pragmático. Um diplomata confiável,Uma voz de moderação em um governo marcado pelo extremismo religioso.

A reivenção de Haqqani é parte de um conflito ainda maior que marcou o Talibã nos últimos três anos,apesar do grupo tentar mostrar união. No centro está o emir e chefe de Estado talibã,Haibatullah Akhundzada,um clérigo linha-dura cuja eliminação dos direitos das mulheres isolou o Afeganistão no cenário global.

Ao mesmo tempo em que Akhundzada assumiu o controle quase total sobre a elaboração de políticas,Haqqani surgiu como seu maior desafiante. Ele pressionou para que meninas pudessem retornar à escola após a sexta série e para que mulheres voltassem a trabalhar no governo. E enquanto o líder talibã denunciava e rejeitava as ideias ocidentais,Haqqani se apresentou como uma ponte.

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Publicidade Mohadese Mirzaee,de 24 anos,fugiu para a Europa após tomada de Cabul; agora,afegã vive na Bulgária e voa profissionalmente

Ele fez viagens diplomáticas e conduziu negociações de bastidores para promover sua visão mais palatável e promover interesses mútuos,como controlar os grupos terroristas em solo afegão. Haqqani ainda construiu relações com antigos inimigos da Europa,países islâmicos,Rússia e China,dizem diplomatas.

— Vinte anos de jihad nos levaram à vitória — Haqqani me disse em uma entrevista em Cabul,a segunda a uma jornalista ocidental. — Agora abrimos um novo capítulo em nosso engajamento positivo com o mundo,e fechamos um capítulo de violência e guerra.

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Muitos diplomatas ocidentais ficaram chocados com a transformação e até a questionaram. Haqqani é um enigma,um operador com sede de poder e um jihadista marcado pelo sangue; mesmo a data de seu nascimento é incerta. Prometer o retorno dos direitos das mulheres pode ser menos sobre uma mudança pessoal e mais sobre um cálculo para trazer o Ocidente ao seu lado em meio à sua disputa com Akhundzada.

Haqqani e sua família têm uma longa e secreta história de aproximação com os EUA,mas funcionários americanos na maior parte do tempo recusaram as iniciativas. Alguns diplomatas dizem,agora,que essas foram oportunidades perdidas,que mostram como a Guerra ao Terror criou os mesmos inimigos que os EUA queriam destruir. Continuar a rejeitar esse engajamento seria cometer os mesmos erros mais uma vez.

Sirajuddin Haqqani (sentado ao centro) durante visita a combatentes talibãs perto de Kandahar — Foto: The New York Times

Nascido durante a invasão soviética do Afeganistão,em 1979,Haqqani cresceu em Miran Shah,uma cidade na fronteira com o Paquistão. Seu pai,Jalaluddin Haqqani,era um importante comandante dos mujahedin,que criou laços com os patrocinadores no Sul da Ásia e no Golfo Pérsico.

Durante a guerra com os soviéticos,Jalaluddin Haqqani também cultivou amizades com agências de inteligência do Paquistão e Arábia Saudita,com a CIA,que lhe mandou centenas de milhares de dólares em dinheiro e armas,e cresceu ao lado de Osama bin Laden,a quem apoiou na criação da rede al-Qaeda.

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Haqqani ainda preparava seu filho Sirajuddin para assumir a rede jihadista que estava montando,sustentada por um lucrativo império de tráfico de drogas,sequestro e extorsão ao redor do mundo árabe. Quando Sirajuddin ainda era criança,seus filhos o chamavam de “califa”.

Quando os EUA invadiram o Afeganistão,em 2001,Haqqani estava sentado em uma escola religiosa de sua família na província de Khost quando recebeu a notícia de que os mísseis americanos estavam caindo em Cabul.

— Éramos jovens e cheios de energia. Estávamos preparados fisicamente e mentalmente [para lutar] — afirmou.

Embora o Talibã tenha caído rapidamente,em 2006 seu movimento se reagrupou na forma de um grupo insurgente. Haqqani estava liderando operações no leste,antes de ser encarregado da supervisão da estratégia militar nacional do Talibã. Ele foi caçado e sempre conseguiu escapar — na conversa,contou que mudava sua localização até 10 vezes toda noite,nunca usando os mesmos veículos ou seguranças. Ao saber que estava na lista de procurados dos EUA,disse ter sentido felicidade.

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Meses após o retorno do Talibã ao poder,em 2021,Akhundzada se estabeleceu como o único responsável pela tomada de decisões do governo. Em 2022,vetou uma promessa sobre a permissão das meninas para frequentar o ensino médio,ampliando um dos mais repressivos sistemas para as mulheres em todo o mundo,algo malvisto por muitas lideranças talibãs.

Haqqani e outros talibãs mais pragmáticos pediram ao emir que aliviasse algumas das medidas,e chegaram a boicotar reuniões em Kandahar,reduto do Talibã no sul do país,de acordo com especialistas e integrantes de governos ocidentais.

As objeções públicas eram violações do código central do Talibã,que prevê a lealdade total ao líder supremo,e Akhundzada respondeu com todo o peso de sua autoridade.

Ele realocou batalhões leais aos líderes dissidentes para sua base em Kandahar e estabeleceu sua própria força de segurança pessoal. Instalou aliados em postos importantes do governo e tentou deliberadamente boicotar as ações de Haqqani rumo ao Ocidente ao restringir ainda mais os direitos das mulheres.

Haqqani tem apresentado seus esforços para estabelecer laços com outros países — nenhum governo reconhece o regime — como parte de sua visão para que seus líderes se tornem atores no cenário global.

Ele criou laços com funcionários da ONU e de países europeus,deu sinal verde para os investimentos chineses e reforçou as relações com a Rússia.

Os EUA têm se recusado a ouvir as iniciativas do Talibã em busca de um diálogo formal,citando a situação dos direitos das mulheres,mas exercem uma enorme influência em Cabul. O país é o maior doador de ajuda ao país,suas sanções ajudam a ditar o fluxo de moeda estrangeira e assistência humanitária,e ainda controla bilhões de dólares em bens congelados do Banco Central Afegão.

Sirajuddin Haqqani,membro do governo Talibã no Afeganistão — Foto: Jim Huylebroek/The New York Times

Em minha conversa com Haqqani,ele insistiu que não há grupos terroristas no Afeganistão,dizendo que o “Emirado Islâmico controla cada canto do país”. Uma leitura mais detalhada do ambiente de segurança sob o Talibã pode signifiacar que,embora grupos terroristas estejam presentes no país,o fato de não terem atacado alvos no Ocidente nos últimos três anos seria um sinal de que ele quer dialogar com o exterior.

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A questão é saber o que ele quer em troca.

Para os EUA,a desconfiança está marcada com sangue. Mas a reputação dos Haqqanis como ideólogos radicais e inimigos brutais pode ser uma das muitas concepções equivocadas que ajudaram a manter os americanos no Afeganistão por duas décadas.

— Os EUA nunca estiveram no centro de sua ideologia,como estavam para Osama bin Laden — disse Barnett Rubin,ex-diplomata da ONU e dos EUA em Cabul. — Pensamos que por estar lutando contra os EUA eles eram anti-americanos,mas para eles a luta era contra invasores.

Mesmo durante a guerra,os Haqqanis se mostraram abertos ao diálogo com os EUA,de forma mais ampla do que se imaginava. Por anos,a família esteve envolvida em discussões secretas com os americanos em busca de um acordo,segundo pessoas que presenciaram as interações.

Mas mesmo que seja uma carta que ele não queira mostrar publicamente,pode ser uma das melhores que pode ter para apresentar a governos hoje céticos à sua iniciativa. A história outrora secreta dá estofo às aberturas ao exterior de Haqqani,dizem diplomatas. Ao invés de ser encarada como uma transformação radical,ele pode estar apenas continuando a buscar o que sua família sempre quis: uma parceria estratégica.

Em junho,uma fotografia de Haqqani varreu as redes sociais: ele estava no palácio Qasr al-Shati,em Abu Dhabi,com um sorriso no rosto e apertando a mão do líder dos Emirados Árabes Unidos,Mohammed bin Zayed. Foi o primeiro encontro oficial com um chefe de Estado,e visto como um sinal de que sua campanha solitária para criar uma base independente de apoio estava indo bem.

Haqqani passou meses em encontros com anciãos ao redor do Afeganistão,criando laços além de sua base no leste. Sua equipe produziu vídeos e ajudou a manter seu status de celebridade entre jovens talibãs,ao mesmo tempi em que seguia atrás de governos ocidentais.

Um esforço que começa a valer a pena. Em julho,ele foi retirado temporariamente de uma lista da ONU de proibições de viagem. Além da ida a Abu Dhabi,foi a Meca,na Arábia Saudita,participar do haj.

Por enquanto,os EUA mantêm a distância. Retornar à política afegã seria uma aposta alta,marcada por 20 anos de uma guerra que custou milhares de vidas e bilhões de dólares,e que terminou com o retorno do Talibã.

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