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Dramaturgo, político e jornalista: mostra em SP destaca facetas menos conhecidas de Oswald de Andrade
2024-10-23 HaiPress
O escritor Oswald de Andrade,cujo reunião de artigos 'Ponta de lança' acaba de voltar às livrarias — Foto: Coleção Marília de Andrade
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para vocêGERADO EM: 23/10/2024 - 04:30
"Oswald de Andrade: Legado de uma Vida Multifacetada em SP"
A "Ocupação Oswald de Andrade" em SP revela facetas desconhecidas do autor,destacando sua influência como dramaturgo,político e jornalista. A mostra evidencia sua irreverência,radicalismo e legado,incluindo a montagem de "O rei da vela" pelo Teatro Oficina,marco do Tropicalismo. A exposição conta com mais de 160 itens e destaca a vida multifacetada de Oswald,que será tema de uma biografia em 2025. Sua obra continua a inspirar e provocar,mantendo-se relevante e pertinente na contemporaneidade.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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Em agosto de 1968,às vésperas da estreia de “O rei da vela” no Teatro Oficina,o crítico literário Antonio Candido disse à imprensa que Oswald de Andrade (1890-1954),autor da peça,“teve três componentes radicais na vida”. O primeiro diz respeito às “atitudes de liderança intelectual que tornaram possível o modernismo” (e que incluem as “piadas famosas contra o academismo”). O segundo refere-se a seu “engajamento político”. E “o terceiro ser de Oswald”,apontou Candido,“acompanhou os outros dois em todas as horas,ou em surdina ou em alarido: o revolucionário”.
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Esses três componentes organizam a “Ocupação Oswald de Andrade”,que estreia nesta quarta-feira (23) no Itaú Cultural,em São Paulo,comprovando que o radicalismo artístico e político do autor do “Manifesto da poesia pau-brasil” não se esgota na renovação formal modernista nem na Antropofagia,movimento que pregava a criação de uma arte nacional por meio da deglutição das influências estrangeiras. Ora em surdina,ora em alarido,o espírito revolucionário de Oswald também anima os textos de “Ponta de lança”,que voltou às livrarias ontem,no aniversário de 70 anos da morte do escritor.
Esse espírito,aliás,não para de assombrar tão cedo: em 2025,a obra do paulista passa ao domínio público e ele ganha uma biografia assinada pelo jornalista Lira Neto: “Oswald de Andrade: mau selvagem” (Companhia das Letras),já em pré-venda.
O escritor Oswald de Andrade aos 38 anos — Foto: Divulgação/ Unicamp
De documentos a objetos
Em cartaz até 23 de fevereiro de 2025,a “Ocupação Oswald de Andrade” destaca facetas menos festejadas do autor,que foi jornalista a vida toda,fez política e radicalizou também a linguagem teatral. Há mais de 160 itens na mostra: fotografias,documentos e objetos pessoais,cadernos de memórias,recortes jornalísticos. Em vídeo dirigido por Rodrigo Mercadante,as atrizes Lili Baniwa,Vicka Matos,Priscila Magella,Thaís Dias,Alice Guél e Ymoirá Micall (duas indígenas,duas negras e duas transexuais) reinventam o “Manifesto da poesia pau-brasil” e o “Manifesto antropofágico”.
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Para o curador Carlos Gomes,Oswald tinha a “irreverência como estilo de vida”,como atestam não só sua obra poética e sua agitação político-cultural,mas também seu teatro,que ganha destaque na mostra.
— “O rei da vela” é a síntese da crítica que Oswald fazia à elite brasileira — diz ele. — Oswald morreu no ostracismo e,a partir da montagem de “O rei da vela”,foi chamado novamente para pensar o Brasil.
Origem do Tropicalismo
Publicada em 1937,a peça “O rei da vela” só foi montada três décadas depois,pelo Teatro Oficina,com direção de José Celso Martinez Corrêa. Caetano Veloso colaborou com a trilha sonora e esse contato com Oswald detonou o Tropicalismo,que sacudiu a cultura brasileira no fim dos anos 1960. Ao narrar a trajetória de dois agiotas (ambos chamados Abelardo) e suas relações com outros ramos da elite nacional,a peça ataca os capitalistas que apostam no atraso do país para enriquecer. Na “Ocupação Oswald de Andrade”,há um cartaz que dá notícia da encenação do espetáculo,de novo pelo Teatro Oficina,num festival de teatro jovem na França,em 1968. A partir de hoje,a versão cinematográfica de “O rei da vela”,também assinada por Zé Celso,está disponível na plataforma de streaming gratuita Itaú Cultural Play.
Consultor da exposição,Lira Neto diz que Oswald só não ganhou o título de “inventor do teatro brasileiro moderno” (merecido por Nelson Rodrigues) por não ter tido nenhum texto encenado em vida. O paulista começou escrevendo peças cômicas e um tanto maniqueístas (e em francês) na década de 1910,em parceira com Guilherme de Almeida. Já contaminada pelo modernismo,sua dramaturgia posterior é tão inovadora que montá-la parecia impossível,explica Lira. Além de “O rei da vela” e das comédias afrancesadas,Oswald é autor das peças “O homem e o cavalo” (1934) e “A morta” (1937).
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O teatro espelhava o radicalismo político de Oswald. Nascido na elite paulistana e herdeiro de um império imobiliário (que acabou dilapidado),ele cresceu próximo a figurões do conservador Partido Republicano Paulista (PRP). Washington Luís,último presidente da República Velha,foi padrinho de seu casamento com Tarsila do Amaral. Antigetulista,filiou-se ao Partido Comunista na década de 1930,já casado com Patrícia Galvão,a Pagu. Em 1945,tentou candidatar-se a deputado federal,mas o Partidão preferiu investir em outro escritor: Jorge Amado.
Em 1950,Oswald concorreu pelo Partido Republicano Trabalhista,apadrinhado por Guaracy Silveira,pastor metodista e primeiro deputado federal evangélico do país,eleito pelo Partido Socialista Brasileiro. A exposição no Itaú Cultural destaca os santinhos da campanha. Um slogan adotado pelo escritor parece um daqueles poemas-piada que ele escrevia nos anos 1920: “O voto é secreto,prometa a quem quiser,mas vote em Oswald de Andrade,o candidato do eleitor inteligente para deputado federal”. Lira Neto afirma que a candidatura do autor era “progressista”,mas já sem radicalismo e pautada por alianças “pragmáticas” (que explicam a opção por um partido nanico e a bênção de um pastor evangélico de esquerda).
— Em 1950,ele já não pregava a revolução e apostou em slogans típicos da época,contra a bomba atômica,e na valorização do trabalho intelectual. Mas não conseguiu seduzir o eleitor — conta o biógrafo. — No fim da vida,doente e em situação precária,ele fazia qualquer negócio. Tentou se aproximar de Getúlio Vargas para vender terrenos para o governo e conseguir um cargo no seguindo escalão.
Panfleto de Oswald de Andrade em campanha para deputado federal: ativa participação na política — Foto: Divulgação/ Unicamp
Embora se descrevesse como “um homem sem profissão” (título de suas memórias),Oswald foi jornalista a vida toda. Começou em 1909 no Diário Popular. Entre 1911 e 1918,dirigiu a revista O Pirralho,que ganhou de presente do pai. No Jornal do Commercio,escreveu sobre futuros companheiros modernistas,como Anita Malfatti e Mário de Andrade. Em 1931,fundou um jornal comunista com Pagu: O Homem do Povo. Sua carreira na imprensa é analisada no jornalzinho Oswaldo,distribuído na mostra no Itaú Cultural.
'O mais brilhante'
Em 1945,ele reuniu artigos publicados na imprensa nos dois anos anteriores no livro “Ponta de lança” e acrescentou três conferências,como o balanço do modernismo “O caminho percorrido”. Nesses textos,o autor acompanha os rumos da guerra na Europa e ensaia uma reconciliação com um antigo desafeto,Monteiro Lobato,mas não deixa de apontar que a garotada da época andava mais interessada em cinema e quadrinhos do que nas aventuras da boneca Emília. Oswald também fazia crítica literária e,bem a seu modo,espinafrava gente como Jorge Amado e José Lins do Rêgo.
— Dos intelectuais públicos que se dedicaram à crítica,Oswald pode não ter sido o mais erudito (Mário era mais),mas foi sem dúvida o mais brilhante de todos. Sua inteligência era feita de chispas de fogo. Nada dogmático,ele jogava os dados no tabuleiro para o leitor organizar,o que acentua as contradições do pensamento dele,mas deixa a interpretação livre — afirma o crítico literário Silviano Santiago,que lamenta que a produção ensaística de Oswald não seja tão estudada quanto sua poesia e sua ficção.
Para Lira,tanto a exposição como a nova edição de “Ponta de lança” (e o interesse pela biografia que ele lança no ano que vem) confirmam que Décio Pignatari estava certo quando disse que “toda vez que vem à tona,o cadáver de Oswald de Andrade assusta”.
— Oswald continuava vivíssimo em suas provocações,é um autor para se preservar e se reverenciar. Ele assumiu posições que ainda são pertinentes e contemporâneas,já era decolonial desde sempre e fez uma crítica violenta e feroz ao patriarcado. — diz o biógrafo. — Mais do que um artista,Oswald foi um intérprete do Brasil.
Serviço:
‘Ponta de lança’
Autor: Oswald de Andrade. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 184. Preço: R$ 84,90.