'A física do universo é muito mais simples do que os seres humanos', diz ganhador do Nobel e consultor científico de Interstellar

2024-08-19 HaiPress

Kip Thorne,físico teórico ganhador do Nobel de Física — Foto: Jon Rou / Divulgação

RESUMO

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GERADO EM: 19/08/2024 - 04:30

Físico Kip Thorne: Universo,ondas gravitacionais e viagem no tempo

O renomado físico Kip Thorne,ganhador do Nobel e consultor de Interstellar,busca desvendar o nascimento do universo através de ondas gravitacionais. Ele destaca a simplicidade da física em relação à complexidade humana. Thorne também fala sobre a viagem no tempo e a importância das colaborações científicas para o Prêmio Nobel. Além disso,revela erros no filme e o potencial da missão espacial LISA.

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Dezenas de prêmios na estante,incluindo um Nobel de Física em 2017,uma extensa lista de contribuições significativas no campo da física gravitacional e da astrofísica,e um currículo que se estendeu até para o cinema,com um papel crucial na consultoria científica do filme Interstellar,de 2014. Aos 84 anos,há pouco o que o renomado físico teórico americano Kip Thorne poderia desejar em sua carreira,senão pela vontade de responder à pergunta: como,afinal,nasceu o universo?

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A resposta,ele acredita,pode um dia ser conhecida por meio da observação de ondas gravitacionais,“ondulações” no espaço-tempo causadas por movimentos acelerados de objetos massivos,como buracos negros. Em 2015,Thorne e cientistas do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO),nos Estados Unidos,detectaram essas ondas pela primeira vez,confirmando uma previsão da Teoria da Relatividade de Albert Einstein e abrindo novas possibilidades para explorar o universo.

Em sua primeira vez no Rio de Janeiro,Thorne falou também sobre viagem no tempo e o que espera do futuro nas pesquisas sobre o espaço em uma entrevista exclusiva ao GLOBO,concedida após sua palestra para uma numerosa plateia no segundo dia da Rio Innovation Week.

Kip Thorne,físico teórico ganhador do Nobel de Física,em palestra na Rio Innovation Week — Foto: Ag. Enquadrar / Divulgação RIW

Com os avanços contínuos no estudo sobre o espaço em geral,quais são algumas das perguntas ainda sem resposta que o senhor acha mais intrigantes?

A coisa mais interessante que quero entender é como o universo nasceu. Se eu fosse uma pessoa religiosa,essa seria a questão definitiva da criação por Deus. Não sou,mas as leis da física que entendemos não conseguem lidar com o nascimento do universo. As observações de ondas gravitacionais ajudarão nisso. Provavelmente,em alguns anos,poderemos ver algumas ondas gravitacionais do nascimento do universo.

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Há futuras missões espaciais ou projetos nessa área pelos quais o senhor está particularmente interessado em acompanhar?

Há uma missão planejada pela Agência Espacial Europeia,a LISA. Provavelmente será lançada em 2034. Ela observará ondas gravitacionais com comprimentos de onda muito mais longos do que o LIGO pode ver. Elas vêm de buracos negros gigantes e podem vir de processos que aconteceram no universo muito primitivo,não no nascimento do universo,mas quando o universo era muito jovem. Estou ansioso para ver essa missão ser lançada e o que ela nos revelará.

A questão sobre a teoria dos buracos de minhoca [pontos conectados no espaço-tempo que formariam uma espécie de "túnel" e permitiriam o trânsito de matéria] ainda permanece no campo teórico. Alguma chance de que eles se provem reais algum dia?

Bem,certamente há uma possibilidade. Eu e outros tentamos,ao trabalhar com as leis da física,nos perguntar: elas permitem que buracos de minhoca permaneçam abertos? E a resposta é que não sabemos,embora tenhamos trabalhado bastante nisso. Só nos resta esperar e ver à medida que entendermos melhor o que as leis da física permitem.

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Então a viagem no tempo é impossível?

Não,eu não disse que é impossível. É o mesmo que acontece com buracos de minhoca: não sabemos a resposta,mas as evidências sugerem que pode ser impossível.

Só estamos longe,em termos de avanços tecnológicos e científicos...

Sim. A tecnologia para a viagem no tempo,se for permitida,está muito,muito além da capacidade humana.

Para onde o senhor iria se a viagem no tempo se provasse possível?

Eu realmente nunca me perguntei isso,seriamente. Mas há muitos momentos do passado em que eu gostaria de apenas ir e ver como era. Só pra dar uma olhada,e depois ir para outro lugar e dar outra olhada.

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Talvez para assistir ao Big Bang?

Esse seria um lugar perigoso para ir. Acho que estaria mais interessado na História humana. A física do universo,do Big Bang,dos buracos negros,das estrelas,é muito mais simples do que os seres humanos. São mais complexos do que as coisas que estudei.

Talvez houvesse algo no universo que eu quisesse ver,só para ter certeza absoluta de que estávamos certos em nosso entendimento. Mas acho que eu estaria mais interessado em ver como era a vida no Brasil há 2 mil anos,por exemplo.

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O senhor foi laureado com o Nobel de Física,juntamente com Rainer Weiss e Barry Barish,em 2017,pelo trabalho na detecção das ondas gravitacionais. Para quem o senhor daria um Prêmio Nobel hoje?

Se eu estivesse dando Prêmios Nobel,eu me certificaria de dar o prêmio a grandes colaborações que fazem grandes descobertas,o que o Comitê Nobel não faz. O Comitê decidiu há muito tempo que os melhores ícones para a ciência são pessoas individuais,com exceção do Nobel da Paz. Isso era verdade há cem anos,quando as grandes descobertas eram basicamente todas feitas por um indivíduo ou duas pessoas trabalhando juntas. Hoje,grande parte é feita por grandes colaborações,e seria impossível sem elas,como o LIGO ou o grupo de físicos que descobriram o bóson de Higgs,por exemplo.

Então,a primeira coisa que eu faria seria convencer meus colegas a mudar as regras,para que,sempre que uma descoberta científica que mereça o Prêmio Nobel for feita por uma grande colaboração,a colaboração toda receba o prêmio.

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O senhor já trabalhou de perto com algum físico brasileiro?

Havia um projeto maravilhoso de ondas gravitacionais em desenvolvimento no Brasil há alguns anos… Eu não colaborei de perto com nenhum físico brasileiro,mas trabalhei com eles. Acho que Odylio Aguiar era a principal pessoa no projeto. Houve uma tecnologia diferente para a detecção de ondas gravitacionais que foi desenvolvida,e ele fez os melhores experimentos finais desse tipo por volta de 2012,creio eu. Eu infelizmente não colaborei diretamente com ele. Mas houve um esforço muito forte aqui no Brasil ao redor dele durante um período de talvez 10 ou 15 anos,com essa tecnologia alternativa.

Sobre o filme,como foi encontrar um equilíbrio entre a precisão científica e criar uma narrativa de fácil compreensão pelo público em geral?

O trabalho maior foi do Nolan,que fez Interstellar de uma forma que pode ser compreendido em muitos níveis diferentes. Um especialista em física pode entender aspectos do filme que ninguém mais vê,e ainda assim,o filme é interessante para todo mundo. Eu escrevi um livro sobre a ciência do filme. Era um segredo,foi lançado simultaneamente com o filme. A razão para isso foi o medo de que,se o público soubesse que haveria um livro desse tipo,pensassem que o filme seria muito difícil de entender. Então,depois de lançado,o livro o transformou em uma espécie de filme cult para cientistas porque lida com tópicos científicos muito difíceis de uma maneira honesta. Mas o filme é feito de tal maneira que as pessoas que não são cientistas,que são os especialistas em ciência,nem sequer percebem isso.

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Há algum tempo,o senhor mencionou sobre um momento no filme cientificamente impossível. Acho que era no planeta com nuvens congeladas. O que havia de errado ali?

Eu fiquei insatisfeito quando vi isso,mas não foi algo em que eu estive envolvido. No segundo planeta que eles visitam,eles têm nuvens feitas de dióxido de carbono congelado,gelo seco. E tudo bem,pode haver um pouco de gelo em uma nuvem feita de gotas de água. Mas,neste caso,havia uma estrutura congelada meio que se projetando,e a nave espacial a atinge e derruba um pouco desse gelo. O problema é que o gelo seco,dióxido de carbono congelado,não tem muita resistência,e se quebraria se estivesse projetado daquela maneira.

Mas também há um erro meu no filme,acho que não é algo muito conhecido. Ao redor do buraco negro,há um disco de gás quente,e eu o fiz com a mesma temperatura do Sol,para que emitisse luz semelhante à solar. No mundo real,esses discos são muito mais quentes do que isso,então seria perigoso estar perto porque os raios-X poderiam te matar. Mas eu esqueci,foi uma estupidez da minha parte. Acho que ninguém nunca apontou esse erro.

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