Mais recentes
-
Pacote fiscal gera crise interna na bancada do PT e desgasta relação do governo com PSOL
-
Ciência do Chope: pesquisa sobre copo ideal para cerveja surgiu em ida à piscina, conta professor
-
Protagonista da série 'Sutura', Humberto Morais fará nova novela de Rosane Svartman
-
Exoneração expõe insatisfação com esforços do governo Lula para frear crise sanitária em reservas indígenas
"Portugueses compram coisas para impressionar pessoas de quem não gostam"
2024-10-27 HaiPress
Essa será uma das perspetivas abordadas pela socióloga especialista em "slow living" - expressão que pode traduzir-se por "viver lentamente" - no worskhop sobre redução de consumos supérfluos que dirigirá esta tarde no encontro mundial "Planetiers",que desde sexta-feira está a decorrer no Centro de Congressos de Aveiro.
"A sociedade portuguesa tem a necessidade de 'mostrar' e precisa de um carro bom mesmo que a sua casa não esteja a nível idêntico. É por isso que costumo dizer que os portugueses compram coisas de que não precisam,com dinheiro que não têm,para impressionar pessoas de quem não gostam",explica.
Essa postura é ainda mais evidente quando comparada à dos países nórdicos,onde a população "ganha muito mais,mas as habitações têm menos tralha,os carros são mais modestos e se compra muito menos roupa".
Ana Milhazes admite,contudo que o apego aos bens materiais por parte dos portugueses nascidos até meados do século XX pode ser particularmente motivado pela memória da pobreza a que estiveram sujeitos nas suas primeiras décadas de vida -- o que justifica também a resistência a práticas como a da reutilização de vestuário,que reabre a ferida da carência ao lembrar o tempo em que a mesma peça de roupa passava de irmão a irmão,de primo a primo e até de patrões a empregados até estar totalmente inutilizada.
Já o consumo excessivo por parte das gerações mais jovens resultará,segundo a especialista,do excesso de exposição a conteúdos viabilizados pelo avanço da tecnologia,já que "publicidade e redes sociais criam a constante sensação de que tudo é necessário,de que não se pode perder nada",de que se é menos se não se tiver mais.
Ana Milhazes reconhece que,ela própria,já teve essa fase: até 2011 era "completamente viciada" em roupa e sapatos,vivia num T2+1 que demorava todo um fim de semana a limpar,comprava soluções de arrumação para coisas a que nunca dava uso. Só quando se pôs a analisar a sensação de que 24 horas não lhe chegavam para tudo e de que a sua vida era apenas "casa-trabalho,trabalho-casa" é que decidiu implementar pequenas mudanças: deu tudo o que não usava,destralhou os móveis,trocou a compra de peças novas por aquisições em segunda mão,começou a frequentar lojas com mais opções a granel,passou a enviar o lixo biológico para compostagem e ainda criou listas de estabelecimentos adeptos dessas práticas e de truques de 'slow living' para partilhar com terceiros.
Agora que a sua casa se limpa numa hora,a embaixadora do Pacto Climático Europeu identifica ainda outra vantagem ao estilo de vida mais saudável e sustentável em que se tornou uma referência: "Quando se passa a escolher apenas o essencial,também se começa a dizer mais vezes 'não' e a fazer menos fretes. Ficamos com tempo para reparar no que de facto nos faz bem e a prioridade passa a ser fazer aquilo de que realmente gostamos,com as pessoas que verdadeiramente importam".
É por isso que Ana Milhazes realça que "viver mais devagar não é privação,ascetismo ou sofrimento". Garante: "É apenas escolher melhor o que temos -- e até podem ser coisas materiais,consoante o gosto de cada um -- para nos sobrar mais tempo para estar com as pessoas de que gostamos e a fazer o que nos dá gosto".
Que uma mudança desta dimensão gere reações críticas e enfrente preconceitos é de esperar. Mas o foco tem que ser sempre no facto de que esta "é uma opção pessoal,individual,sem tentativas de evangelizar ninguém ou forçar algo que só vai criar resistência e afastamento". Quando os outros repararem no efeito positivo da mudança operada em determinada pessoa é que "então pode haver abertura" para ela explicar como o conseguiu e em que medida isso melhorou a sua vida.
"Estamos num tempo em que ainda podemos fazer escolhas confortáveis",diz Ana Milhazes. "Não temos uma arma apontada à cabeça,com alguém a dizer-nos que vamos perder tudo,de repente,sem poder de escolha,portanto podemos começar devagar,uma pequena mudança de cada vez... E depois de se entrar nesse círculo virtuoso,então já não se volta atrás",promete.